Teoria da árvore dos frutos envenenados

Posted by Edna

RESUMO: Repudiada pelo Direito as provas ilícitas ou obtida por meios ilegais são expressamente vedadas pela Constituição Federal de 1988. Por ser derivada do direito norte-americano a Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados afirma que uma prova ilícita originária ou inicial teria o condão de contaminar as demais provas decorrentes, ou seja o processo que contém prova obtida por meio ilícito é nulo e todos os atos decorrentes, também, devem ser tidos como nulos, é o que a doutrina denomina prova ilícita por derivação. Por outro lado, a prova ilícita pode ser usada em situações excepcionais ou quando o direito tutelado é mais importante do que aquele atingido, isto pelo princípio da proporcionalidade e também, pelo princípio do estado de inocência, quando permite o uso da prova ilícita pro reo.
Palavras-chave: Princípios da Proporcionalidade. Provas ilegítimas.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 ao tratar sobre as provas ilícitas ou ilegítimas estabelece em seu art. 5°, inciso LVI, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Nesse norte, Vicente Greco Filho afirma :
    A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico: sua finalidade prática, qual seja, convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado 1.
Dessa forma, a prova, porém, para servir de alicerce para uma decisão judicial, há de ser obtida por meios lícitos (legítimos), que não contrariem a moral e os bons costumes, que esteja dentro dos limites éticos do homem.
Contudo, com a finalidade de demonstrar fatos levados ao conhecimento do tribunal provas colhidas ilicitamente são postas no processo como meio de formação do convencimento do julgador, porém estas provas ilícitas, ilegítimas ou ilegais devem ser desprezadas, segundo o preceito constitucional.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, se manifestou, através de voto do Ministro Celso de Mello da seguinte forma:
    A norma inscrita no artigo 5º, LVI, da Lei Fundamental promulgada em 1988 consagrou, entre nós, com fundamento em sólido magistério doutrinário (Ada Pellegrini Grinover, Novas tendências do Direito Processual, pág. 60/82, 1990, Forense Universitária; Mauro Cappelleti, Efficacia di prove illegittimamente ammesse e comportamento della parte, in Rivista di Diritto Civile, pág. 112, 1961; Vicenzo Vigoritti, Prove illecite e constituzione, in Rivista di Diritto processuele, pág. 64 e 70, 1968), o postulado de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser repudiada - e repudiada sempre - pelos Juízes Tribunais, por mais relevantes que sejam os fatos por elas apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade (Ada Pellegrini Grinover, op. cit., pág. 62, 1990, Forense Universitária). A cláusula constitucional do due process of law - que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público - tem, no dogma da inadmissibilidade das provas lícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompátivel com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.(...) Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que se exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova - de qualquer prova - cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável...(STF,Ação Penal 307-3/DF, Plenário, relator Min. Celso de Mello, DJU 13/10/1995) (GRIFO NOSSO)
Da mesma forma, o Código de Processo Civil em seu art. 332 afirma que, “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.
Nesse sentido, provas obtidas por meios ilegais devem ser desentranhadas dos autos do processo, sendo considerada prova imprestável, havendo a conseqüente análise das demais provas constantes dos autos.
È o que ADA PELLEGRINI GRINOVER salienta:
    trata-se de não-ato, de não-prova, que as reconduz à categoria da inexistência jurídica. Elas simplesmente não existem como provas; não têm aptidão para surgirem como provas, daí sua total ineficácia 2
Por sua não aceitação e total repúdio às provas ilícitas o Supremo Tribunal Federal acolheu a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (fruits of the poisonous tree theory), a qual uma prova ilícita originária teria o condão de contaminar os frutos, ou seja, as demais provas decorrentes, gerando assim a ilicitude por derivação.
Porém, a tendência doutrinária e jurisprudencial se inclina no sentido da suavizar o absolutismo do preceito constitucional estabelecido no artigo 5°, inciso LVI, diante de situações excepcionais e em casos de extrema gravidade, quando o direito tutelado é mais importante que aquele atingido, de acordo com o Princípio da Proporcionalidade, como também, pelo princípio do estado de inocência, quando a prova ilícita é utilizada pro reo , os quais serão analisados mais adiante.

Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados

A advinda do direito norte americano a “fruits of poisonous tree” tem em seu nascimento um preceito bíblico de que a árvore envenenada não pode dar bons frutos, ou seja a prova ilícita originária ou inicial contaminaria as demais provas decorrentes. Porém, esta teoria não é absoluta sob a ótica do Direito Americano havendo limitações a sua aplicação.
É o que Paulo Ivan da Silva afirma :
    Com vista a dar efetividade a essas finalidades (principalmente a 1ª e a 2ª), a Suprema Corte Americana desenvolveu a teoria dos frutos da árvore envenenada (the fruits of the poisonous tree), segundo a qual a árvore ruim (busca ilegal, p. ex.) dará maus frutos: processo e condenação injustos e, conseqüentemente, nulos. Por outras palavras: independentemente da legalidade da colheita, a prova também será ilícita se derivar de outra prova ilícita. Depois disso, em cortes mais conservadoras, a Suprema Corte estabeleceu diversas limitações a essa teoria, dentre elas estas duas: a) limitação da fonte independente, segundo a qual os fatos descobertos a partir da prova ilícita não seriam necessariamente ilegais, se pudessem ainda ser provados por fonte independente; b) limitação da descoberta inevitável, pela qual a prova seria admissível se a acusação provasse que ela seria inevitavelmente descoberta por meios legais, etc.3 (GRIFO NOSSO)
Por outro lado, no Brasil a teoria dos frutos da árvore envenenada só se aplica às provas decorrentes, ou também como são conhecidas “por derivação” da prova ilegal, não se aplicando a provas sem relação com a contaminação.
O Supremo Tribunal Federal acolheu a teoria dos frutos envenenados julgando o seguinte:
    Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabelecidas, possa o juiz, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS nº 21.750, 24/11/93, Velloso); conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.(STF, HC 69.912-RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 155/508). (GRIFO NOSSO).
O presente entendimento foi utilizado como base para diversos julgados, os quais acolheram a presente teoria negando as provas ilícitas por derivação HC 73.351, Rel. Min. Ilmar Galvão, RTJ 168/543 - HC 72.588-PB, rel Min. Maurício Corrêa, Informativo do STF nº 35 - HC 74.299, Rel. Min. Marco Aurélio, RTJ 163/683 - HC 73.510, Rel. Min. Marco Aurélio, Informativo do STF nº 96.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Melo advoga na defesa da imprestabilidade das prova obtidas por meios ilícitos. É o que argumenta nesse voto:
    (...) a absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica. .(STF, AP 307-3, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 13/10/1995).
Por outro lado, há os que defendem a tese de que a prova obtida por meios ilícitos, não poderá ser retirada dos autos, a não ser no caso de a própria lei assim o ordenar.

Princípio da Proporcionalidade

Também conhecido como princípio da razoabilidade, este princípio veio com o fim de mitigar o aparente caráter absoluto do art. 5º, LVI da Constituição Federal, afirmando que em casos excepcionais, a utilização no processo da prova ilícita será admitida.
Diante disso, quando há confronto de princípios como o da proibição da prova ilícita e o da ampla defesa do réu, nesses casos, a prova ilícita será aceita segundo o princípio da ampla defesa.
Porém, José Carlos Barbosa Moreira ao criticar a presente corrente que admite a prova ilícita em favor da defesa do réu, afirma o seguinte:
    Se a defesa – à diferença da acusação – fica isenta do veto à utilização de provas ilegalmente obtidas, não será essa disparidade de tratamento incompatível com o princípio, também de nível constitucional, da igualdade das partes? Quiçá se responda que, bem vistas as coisas, é sempre mais cômoda a posição da acusação, porque os órgãos de repressão penal dispõem de maiores e melhores recursos que o réu. Em tal perspectiva, ao favorecer a atuação da defesa no campo probatório, não obstante posta em xeque a igualdade formal, se estará tratando de restabelecer entre as partes a igualdade substancial. O raciocínio é hábil e, em condições normais, dificilmente se contestará a premissa da superioridade de armas da acusação. Pode suceder, no entanto, que ela deixe de refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada, como tantas que enfrentam as sociedades contemporâneas. É fora de dúvida que atualmente, no Brasil, certos traficantes de drogas estão muito mais bem armados que a polícia e, provavelmente, não lhes será mais difícil que a ela, nem lhes suscitará maiores escrúpulos, munir-se de provas por meios ilegais. Exemplo óbvio é da coação de testemunhas nas zonas controladas pelo narcotráfico: nem passa pela cabeça de ninguém a hipótese de que algum morador da área declare à polícia, ou em juízo, algo diferente do que lhe houver ordenado o ‘poderoso chefão’ local.4
Da mesma forma, Roberto Prado Vasconcelos critica a utilização do princípio da proporcionalidade apenas em favor da defesa:
    É um vício constante da doutrina afirmar que as provas ilícitas incriminatórias não podem jamais ser utilizadas contra o réu. O problema de se tratar assuntos tão importantes apenas no âmbito da abstração, sem testar suas construções doutrinárias com exemplos hipotéticos, leva a injustiças freqüentes, bem como ao esquecimento dos problemas crônicos que necessitam de soluções urgentes. Exemplifique-se com o caso do combate ao tráfico. Não se pode negar que é notória a freqüência com que os meios convencionais fracassam na resolução destes problemas.5
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela aceitação da prova ilícita pro societate. É o que expõe Paulo Ivan da Silva em estudo sobre o tema:
    No julgamento do HC 3.982-RJ (RSTJ 82/321), admitiu como válida, para embasar a acusação, prova ilicitamente obtida (no caso, interceptação telefônica autorizada antes da Lei 9.296/96). Essa mesma decisão foi reafirmada no HC 4.138-RJ (Repertório IOB de Jurisprudência – 1ª quinzena de julho de 1996 – n º 13/96, p. 217) e no HC 6.129-RJ (RSTJ 90/364).6
Contudo, nem toda prova ilícita pro societate é admissível no combate a crime hediondo. Já que o princípio da proporcionalidade impõe que sempre se leve em conta, no caso concreto, os direitos e interesses em confronto.
No Brasil, o princípio da proporcionalidade é adotado, com reservas, pela jurisprudência,mais acentuadamente em matéria processual civil. Esse princípio é fortemente criticado por alguns doutrinadores. Porém, quando adotado, este pode dar margem em demasia a influência de fatores meramente subjetivos pelo julgador.
NELSON NERY JÚNIOR expõe que:
    Não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória de emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o conhecimento do protagonista da gravação sub-reptícia, nem a admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva. (A propositura da doutrina quanto à tese intermediária é a que mais se coaduna com o que se denomina modernamente de princípio da proporcionalidade), Devendo prevalecer, destarte, sobre as radicais.7
Diante disso, o Princípio da Proporcionalidade, deve ser utilizado apenas em situações excepcionais e em casos de extrema gravidade, em casos incomuns, onde o direito tutelado é mais importante que aquele atingido, da sua efetiva utilização.
O Uso da Prova Ilícita Pro Reo
Com fundamento no princípio do estado de inocência, o uso da prova ilícita pro reo é aceita em matéria penal, sendo acolhida tanto pelos doutrinadores como pela jurisprudência em obediência ao princípio citado e também ao princípio do favor rei.
Nesse sentido, JOSÉ OLINDO GIL BARBOSA expõe:
    Como se vê, essa posição suaviza, indubitavelmente, o rigorismo da não aceitação incondicional das provas ilícitas. Nessas hipóteses o sujeito encontrar-se-ia em circunstância de verdadeiro estado de necessidade, que é umas das causas, como sabemos, de exclusão da antijuridicidade, vendo-se compelido ao uso de prova ilícita em defesa da sua liberdade.8 (GRIFO NOSSO)
A Carta Magna veda o uso no processo de provas obtidas por meios ilícitos, considerando-as imprestáveis. Contudo a prova ilícita é permitida no inquérito policial, se somente se, para benefício do réu com base no princípio do estado de inocência e na salvaguarda da liberdade, ocorrendo assim, a mitigação do preceito constitucional.
Tanto a doutrina como a jurisprudência se inclinam neste sentido de relativizar o art. 5°, LVI da Constituição Federal.
É o que Deise Cristiane Valente afirma:
    Como há produção de provas definitivas, conseqüentes à investigação criminal, formalizadas no inquérito policial, nada obsta que a polícia use uma prova adquirida ilicitamente em prol do suspeito ou indiciado, preservando e tutelando os princípios constitucionais atinentes aos direitos humanos fundamentais.9 (GRIFO NOSSO)
Nessa situação, o sujeito encontrar-se-ia em posição de verdadeiro estado de necessidade, que é umas das causas, como sabemos, de exclusão da antijuridicidade, vendo-se obrigado ao uso de prova ilícita em prol da sua liberdade.

Considerações finais

Pelo exposto a Constituição da República de 1988 em seu artigo 5°, LVI, considera de maneira categórica, serem inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos.
Nesse contexto, a Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados vem proteger o processo e seu desenvolvimento vedando-as, tornando totalmente imprestável e inadmissíveis as provas ilícitas, considerando que o vício da origem se transmite a todos os elementos probatórios obtidos graças à prova ilícita.
Nesse sentido, doutrinadores e juristas de renome como Leonardo Greco, Ada Pellegrini Grinover se manifestam no sentido de atestar a importância de banir do processo as provas obtidas ilicitamente.
Discussões jurídicas em meio a este tema tão discutido, apresentam correntes que apontam que as provas ilícitas podem ser utilizadas, pois segundo essa corrente, o interesse da justiça na descoberta da verdade deve prevalecer, dessa forma, não haveria punição ao infrator da norma. De outro lado, A Constituição Federal adotou a não utilização das provas ilícitas, pois estas, poderiam privilegiar condutas antijurídicas capazes de ocasionar prejuízo alheio.
Buscando um ponto de equilíbrio, no caso concreto, o Princípio da Proporcionalidade vem relativizar o absolutismo da regra constitucional imposta no artigo 5°, inciso LVI, baseando-se o julgador que deve ser salvaguardado o bem de maior valia em detrimento do menor, e que o positivismo extremo deve ser colocado de lado.