1. Princípios de direito
Os princípios são as fontes basilares para qualquer ramo do direito, influindo tanto em sua formação como em sua aplicação. Em relação ao Direito do Trabalho não poderia ser diferente, já que os princípios estão presentes naqueles dois instantes, em sua formação e na aplicação de suas normas. Toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica na existência de princípios.Em face disso, através das peculiaridades dos princípios inerentes a cada ramo do direito e da importância de sua influência, é que se torna extremamente necessário o estudo de tais princípios.
1.1 Conceito
De início, a fim de desenvolver um estudo mais completo, torna-se necessário averiguar qual o significado do vocábulo princípios dentro do ordenamento jurídico.
Para Miguel Reale, os princípios são certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber.
Em sua lição, De Plácido e Silva, estudioso dos vocábulos jurídicos, ensina que os princípios são o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica.
Segundo Clóvis Beviláqua, os princípios são elementos fundamentais da cultura jurídica humana. Para Coviello, os princípios são os pressupostos lógicos e necessários das diversas normas legislativas.
A título de ilustração, expõe-se o comentário formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello acerca dos princípios em geral:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
Resta, assim, revelada a gigantesca importância dos princípios no sistema jurídico, de maneira que, insofismaticamente, pode-se concluir que, ao se ferir uma norma, diretamente estar-se-á ferindo um princípio daquele sistema, eis que tal norma, direta ou indiretamente, está embutida em sua essência.
Por fim, ressaltando a importância dos princípios, Plá Rodriguez afirma que são linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos.
Portanto, através das definições acima trazidas, pode-se concluir que os princípios constituem o fundamento maior de uma ciência jurídica, possuindo fundamental importância dentro de um ramo do direito, seja na elaboração da norma legal ou na aplicação em face dos casos concretos.
Após verificada a importância dos princípios dentro do ordenamento jurídico, passa-se doravante a analisar um dos mais importantes princípios peculiares do Direito do Trabalho, qual seja, o princípio da proteção.
1.2 Funções
Segundo a lição de Federico de Castro, os princípios constituem-se nas idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica, possuindo as seguintes funções: a) informadora, tendo em vista que, de forma direta ou indireta, inspiram o legislador, servindo-lhe como fundamento do ordenamento jurídico; b) normativa, dado o fato de atuarem de forma supletiva, no caso de ausência de lei, ou seja, funcionam como elemento de integração da norma jurídica; e, c) interpretadora, eis que funcionam como um critério de orientação do juiz ou do intérprete da lei.
Percebe-se, pois, que os princípios possuem tríplice função dentro da ciência jurídica, possuindo o condão de informar o legislador na época da elaboração da norma jurídica, bem como servir de critério para a integração e aplicação da lei aos casos concretos.
2 Princípios de Direito do Trabalho
No que tange aos princípios vigentes no âmbito do Direito do Trabalho, a doutrina, em geral, atribui várias denominações diferentes umas das outras. A título de exemplo, Plá Rodriguez denomina-os de princípios de direito do trabalho; Cesarino Júnior denomina-os de princípios fundamentais da consolidação das leis do trabalho; Alfredo Ruprecht denomina-os de princípios normativos do direito do trabalho; e, Pedreira da Silva atribui a denominação de princípios específicos de direito do trabalho.
Porém, independentemente da forma de denominá-los, devem ser entendidos como o elemento de fundamental importância na elaboração e aplicação da norma jurídica. Entretanto, para fins meramente didáticos, serão denominados de princípios de direito do trabalho.
2.2 Aplicação
A própria legislação admite a incidência dos princípios gerais ou fundamentais de direito do trabalho como fonte formal de aplicação do Direito do Trabalho, conforme se constata da disposição contida no art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Para Valentin Carrion, os princípios fundamentais de Direito do Trabalho são os que norteiam e propiciam a sua existência, tendo como pressuposto a constatação da desigualdade das partes, no momento do contrato de trabalho e durante seu desenvolvimento.
Note-se, portanto, que o ordenamento jurídico trabalhista brasileiro admite, de forma expressa, a existência dos princípios de direito do trabalho, e, ainda, a sua existência como fonte formal deste ramo de direito e método de aplicação e integração da norma jurídica.
2.3. Enumeração
Em geral, costuma-se apontar vários princípios que são peculiares ao Direito do Trabalho, dentre os quais, pode-se indicar o princípio da proteção (‘in dubio pro operario’, norma mais favorável e condição mais benéfica), da primazia da realidade, da irrenunciabilidade, da continuidade, da boa-fé, da autodeterminação coletiva dentre outros apontados pela doutrina.
Entretanto, a análise de todos os princípios peculiares ao Direito do Trabalho, em sede de artigo, torna-se praticamente impossível o aprofundamento necessário para justificar a sua publicação, razão pela qual delimita-se o objeto do estudo, apontando com objetivo principal a abordagem do princípio da proteção e as regras que dele se extrai.
3 Princípio da proteção
Nas relações trabalhistas facilmente se percebe a desigualdade das partes, especialmente aquela de cunho econômico. O empregador possui o poder de dirigir o seu empreendimento e, não se pode negar que, em tempos de altos níveis de desemprego, o empregado não se sinta temeroso ante o risco de ser despojado de seu emprego. Assim, como poderia o direito tratar igualmente aqueles que flagrantemente são desiguais?
Justamente com a finalidade de igualar os desiguais foi que surgiu o princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho. Pode-se afirmar, sem medo de errar. que este princípio trata-se de reflexo da igualdade substancial das partes, preconizada no âmbito do direito material comum e direito processual.
Essa referida igualdade substancial tem a finalidade de equiparar as partes desiguais, já que dar tratamento isonômico às partes, significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.
Exatamente neste sentido, CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO afirmam que:
a absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial.
A aplicação do princípio da proteção no âmbito do Direito do trabalho, não reflete quebra da isonomia dos contratantes, mas, traduz-se, em perfeita aplicação da igualdade substancial das partes, já que não basta a igualdade jurídica para assegurar a paridade da partes, seja nas relações de direito material seja nas relações de direito processual.
Verificado que o fundamento da existência do princípio da proteção é a efetiva igualdade das partes, ainda que para isso seja necessária a criação de normas protetivas a uma das partes, torna-se necessário verificar a forma de aplicação prática de tal princípio. O referido princípio desdobra-se em três regras: a) in dubio pro operario; b) norma mais favorável; e, c) condição mais benéfica.
3.1 In dubio pro operario
A regra do in dubio pro operario foi transportada do in dubio pro reo, vigente no Direito Penal, bem como o favor debitoris existente no Direito Civil, onde o devedor deverá ser protegido contra o credor. Tal regra possui a finalidade de proteger a parte, presumidamente, mais frágil na relação jurídica e, em se tratando de Direito do Trabalho, é possível presumir que a parte mais fraca é o empregado-credor. Diante disso, deverá ser aplicado de forma inversa o princípio vigente no direito comum.
Essa regra aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória.
Enfatizando a concepção segundo a qual o legislador deve estabelecer um favorecimento àquele que visa proteger, Cesarino Júnior afirmou que:
Sendo o direito social, em última análise, o sistema legal de proteção dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser a favor do economicamente fraco, que é o empregado, se em litígio com o empregador.
3.2 Norma mais favorável
A regra da aplicação da norma mais favorável se constitui mais uma das vertentes do princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho.
A regra da aplicação da norma mais favorável resume-se em que havendo uma pluralidade de normas aplicáveis a uma relação de trabalho, há de se optar pela que seja mais favorável ao trabalhador. Neste sentido, independentemente da sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, a que for mais favorável ao trabalhador.
Em tese, não deveria existir o problema para o julgador de verificar qual seria a norma mais favorável para a sua aplicação in concreto, ante à existência de hierarquia de leis, já que bastaria a aplicação da norma hierarquicamente de grau superior. Entretanto, em face da existência dessa regra, pode-se dizer que formalmente não existe uma hierarquia das leis, já que no âmbito do Direito do Trabalho as normas jurídicas conferem um mínimo ao empregado, sendo que será perfeitamente lícito às partes pactuarem cláusulas mais benéficas ao empregado, serão essas, pois, as normas aplicáveis à relação de emprego.
Com muita maestria, Amauri Mascaro Nascimento expõe a ratificação da idéia acima descrita:
Ao contrário do direito comum, em nosso direito entre várias normas sobre a mesma matéria, a pirâmide que entre elas se constitui terá no vértice, não a Constituição Federal, ou a lei federal, ou as convenções coletivas, ou o regulamento de empresa, de modo invariável e fixo. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes em vigor.
3.3 Condição mais benéfica
A regra da condição mais benéfica consubstancia-se em mais uma das ramificações do princípio da proteção, instituído com o fito de igualar as partes desiguais no âmbito do Direito do Trabalho.
Essa regra determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam elas incompatíveis.
A aplicação da regra exige como pressuposto a existência de uma situação concreta, sendo que essa situação pode ser resultar de lei, convenção ou acordo coletivo, sentença normativa, contrato individual de trabalho e, até mesmo, regulamento de empresa. Basta o reconhecimento de uma situação concreta mais benéfica ao empregado.
Concluindo, qualquer modificação das condições de trabalho importará em afronta à regra da condição mais benéfica, já que tal postulado repousa sobre a garantia constitucional de respeito ao direito adquirido, salvo em se tratando de condições benéficas estabelecidas provisoriamente, as quais poderão ser suprimidas e, ainda, aquelas modificações que não importam em alteração de condição mais benéfica, tais como a supressão de labor em ambiente insalubre ou perigoso, trabalho noturno e extraordinário.
4 Conclusão
Os princípios de Direito do Trabalho, inegavelmente, constituem uma forma de proteção do trabalhador, já que neste ramo de direito, ao contrário da paridade das partes existente no direito comum, existe uma flagrante desigualdade entre as partes contratantes. Pode-se dizer que o princípio basilar informativo do Direito do Trabalho é o princípio da proteção, sendo que este princípio comporta subdivisão para estabelecer três regras: in dubio pro operario, norma mais favorável e condição mais benéfica.
Em síntese, pode-se afirmar que a aplicação dessas três regras visam a igualdade das partes – não no campo econômico –, mas no sentido tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, eis aí a essência do princípio da isonomia ou igualdade substancial. Não basta a garantia formal da igualdade das partes, mas é necessário assegurar a igualdade substancial. O Direito do Trabalho, com a finalidade de igualar os desiguais, estabeleceu normas em benefício da parte mais frágil: o trabalhador.
Entretanto, o que se buscou demonstrar com o presente estudo é que a aplicação dos princípios, em geral, e, especialmente o princípio da proteção, não pode ocorrer de forma absoluta e impensada, sob pena de, em certos casos, em vez de igualar os desiguais, acarretar uma desigualdade ainda maior, ou, por vezes, decidir arbitrariamente em favor de quem não faz jus à tutela jurisdicional pleiteada.
A tendência é flexibilização das normas que regulam o Direito do Trabalho, visando o privilégio da coletividade trabalhadora, relegando a segundo plano o trabalhador individualmente considerado, razão pela qual a aplicação do princípio da proteção, certas vezes, fica um tanto quanto limitada, demonstrando, assim, que o princípio em comento não se aplica de forma absoluta às relações de trabalho, mas, ao contrário do que se pensa, comporta certas limitações.