A CORRETA INTERPRETAÇÃO DO INC. II DO ART. 535 E SUA NECESSÁRIA COMBINAÇÃO COM O ART. 515 DO CPC.
João Damasceno Borges de Miranda
A atual redação do art. 515 do CPC contém os seguintes dizeres:
"Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:
I - houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal."
Os embargos de declaração, ainda que detestados por alguns dos julgadores, são cabíveis quando ocorre no julgado contradição, obscuridade ou omissão.
O ponto mais polêmico e que provoca distorção na sua admissão é justamente a omissão, cuja Lei n. 8.950/94 foi introduzida no CPC para reforma, 15 anos atrás, visando a mudança de inteligência quanto ao mesmo.
Os embargos devem ser acolhidos conforme palavras do Min. Marco Aurélio do E. STF, verbis:
“Art. 535: 1c. Os embargos declaratórios não consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe ao aprimoramento. Ao apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com espírito de compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal.”
A omissão apontada nos respeitáveis decisuns é para que se atenda a adequação do processo aos ditames do sistema jurídico nacional, bem assim, a satisfação integral da prestação jurisdicional almejada. Diga-se prestação devida, pois, se o Estado avocou para si o monopólio de dizer o direito e fazer justiça, retirando das pessoas (cidadãos) a possibilidade de fazer justiça com as próprias mãos, e, assim, o Estado deve oferecer toda a estrutura para o processo de busca da justiça, inclusive o iter, o rito, o caminho a ser trilhado, as regras e o respeito às mesmas.
A possibilidade de oposição de embargos por omissão prevista no art. 535, II do CPC não se restringe exclusivamente ao quanto consignado na decisão judicial, como entendem alguns julgadores e as inúmeras decisões nesse sentido, afastando a real inteligência da norma processual e se transformando numa forma de não prestar o serviço da jurisdição a que o Estado está obrigado, através do Poder Judiciário.
O CPC foi justamente reformado para superar a dogmática que, lamentavelmente, ainda vige nas veias do Judiciário e em algumas referências doutrinárias.
O inc. II do art. 535 do CPC não diz omissão sobre ponto da decisão, como é o caso das hipóteses previstas no inc. I do artigo em tela. Diz ser possível oposição dos embargos em caso de omissão quanto a ponto contido no processo (inicial, defesa, provas, etc.) e que deveria haver manifestação.
Sobre o tema, assim lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, verbis:
“Finalmente, quanto à omissão, representa ela a falta de manifestação expressa sobre algum ‘ponto’ (fundamento de fato ou de direito) ventilado na causa e, sobre o qual deveria manifestar-se o juiz ou o tribunal. Essa atitude passiva do juiz, em cumprir seu ofício resolvendo sobre as afirmações de fato ou de direito da causa, inibe o prosseguimento adequado da solução da controvérsia, e, em caso de sentença (ou acórdão sobre o mérito), praticamente nega tutela jurisdicional à parte, na medida em que tolhe a esta o direito de ver seus argumentos examinados pelo Estado.” (sic). (Grifos no original).
A reforma do CPC ainda avançou para trazer nova sistemática quanto aos recursos e ao papel desempenhado pelo tribunal, conforme previsto no art. 515 do referido diploma, assim disposto:
"Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1o Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.
§ 2o Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.
§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
§ 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.” (Grifamos).
O tribunal deve analisar todo o conteúdo da demanda, pois toda a matéria lhe é devolvida, para então pronunciar-se sobre os específicos pontos impugnados na sentença. Nada mais óbvio, pois só é possível pronunciar sobre a parte, acaso se conheça o todo, ou seja, tudo quanto está sendo discutido.
Nesse caso, o legislador foi mais longe, pois determina que o tribunal conheça dos pontos controversos da demanda, mesmo que o juízo a quo não tenha se manifestado sobre os mesmos, superando a velha escola equivocada que ainda vige no Brasil quanto a exigência de que o tribunal somente poderia conhecer aquilo que efetivamente lhe fora devolvido pelo recurso. Isto é, no entendimento dos tribunais, somente o que fora devolvido pela sentença de 1º grau. Nada mais ilógico, pois a sentença não lhe devolve nada; quem efetivamente devolve a matéria ao tribunal é o recurso, direito facultativo da parte que tiver interesse em recorrer e atender os requisitos para tanto.
Sendo assim, considerando a atual extensão legal do que vem a ser questão omissa e dado a incidência do art. 515, os embargos devem ser conhecidos e, em sendo acolhidos, receber guarida quanto ao seu poder de efeito modificativo, conforme previsto no art. 463 do CPC, verbis:
"Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:
I - para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo;
II - por meio de embargos de declaração." (Grifamos).
E não se trata de drama algum ou suposto prejuízo à parte adversa quando os embargos opostos, admitidos, puderem modificar o julgado.
É que, ainda que o novo julgamento, em razão do acolhimento dos embargos de declaração opostos, tenha o seu conteúdo modificado, isso não se traduz em mudança a ponto de prejudicar a parte, pois ela estava ciente das regras do jogo desde o momento em que propôs a inicial ou ofereceu a defesa. Assim, o que vier a ser decidido por meio dos embargos, considerando que houve omissão, estará limitado ao conteúdo do processo. Não modificar a sentença, mediante a oposição de embargos de declaração, sob a desculpa esfarrapada que já encerrou o ofício judicante ou que os embargos não demonstraram a omissão do conteúdo do próprio julgado é prejudicar uma das partes, não atentando para o que existe nos autos, sejam argumentos, matéria de direito, confissão, provas, documentos, impossibilidade jurídica do pedido, etc.
É comum tomarmos ciência de decisões judiciais calcadas no velho dogma que embargos de declaração somente são servíveis para aclarar ponto omisso do próprio julgado, o que é um contra-senso e contrariedade à lei.
Tal entendimento, maioria no meio jurisdicional, além de relegar a literalidade e a inteligência da lei, reformada para coibir abusos que tais, ainda campeiam no Judiciário e confere prejuízos às partes, pois permitem aos juízes adotarem arbitrariedades, tirania judiciária e implícito impedimento de rediscussão dos pontos controversos do processo que não foram totalmente decididos.
Outra reposta ilógica e comum é que os juízes não estão a disposição das partes para julgar item por item o que lhes interessa, ou, como asseveram em suas sentenças, acolher caprichos da parte (leia-se: advogado). Ora, não é para isso que por acaso existe juiz? E a pessoa que desejou esse ofício não deve cumpri-lo, pois é servo (escravo) do ofício? Essa é a famosa saída pela esquerda ou pela direita do leão da montanha (quem se lembra desse personagem de desenho animado?).
Em verdade, o modo de agir do Judiciário traduz o quanto os seus integrantes detestam julgar embargos de declaração e essa é a verdadeira motivação psicológica contida no julgamento que noticiamos acerca da decisão do TJ do Maranhão que determinou ao juiz que voltasse a estudar.
Os integrantes do Judiciário precisam, na sua maioria, compreender e apreender o mandamento contido no art. 535 do CPC e seu reflexo no art. 515 do mesmo diploma, no mesmo espírito explicitado pelo Min. Marco Aurélio, pois, do contrário, continuarão a ferir de morte a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, cujo objetivo maior é impedir a tirania de juízes ruins e que não estão à altura do ofício que abraçaram ou que tratam causas com desprezo ou por acharem mui pesado o munus de ter que decidir e as vezes re-decidir.
Bibliografia: |
NBR 6023: 2002. Miranda, João Damasceno Borges. Acerca da omissão e dos embargos de declaração. Disponível em <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria= > Acesso em :19 de novembro de 2010 |
Autor: |
João Damasceno Borges de Miranda |
Advogado, consultor jurídico e professor universitário. Salvador, Bahia. |
Academia brasileira de direito, 9/9/2010 |